Resta apenas, na viscosidade aérea da rua abstrata, um fino fio de sentimentos, todos exteriores, como um fio de baba do Destino estúpido, que cai gota a gota sobre a minha consciência de existir. Nunca amamos verdadeiramente alguém. Amamos apenas a ideia que fazemos desse alguém. O que amamos é um conceito criado por nós — e, no fim das contas, é a nós mesmos que amamos. Assim como lavamos o corpo, deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa. Talvez o meu destino seja, por toda a eternidade, ser um contabilista, e a poesia ou a literatura talvez não passem de uma borboleta pousando na minha testa, que me torna tanto mais ridículo quanto mais brilhante for a sua beleza. Fernando Pessoa